Figueira da Foz, Estádio da Associação Naval 1.º de Maio, Bancada Central.
Foi neste local que passei uma tarde... bem passada. Não só pela partida de futebol – modalidade que tanto me agrada – ou pela temperatura amena e a maresia no ar, mas sim - e aliás, em especial - graças aos comentários, devaneios, desabafos, insultos, palavrões e interjeições que se ouviram na zona dos sócios mais antigos.
Quem diz sócios diz essencialmente um. Um barrigudo, talvez pescador reformado, talvez comerciante no activo, mas malandro pela certa.
Logo aos primeiros minutos fez as delícias do serão: "P’ra quem?", com um sotaque figueirense, logo seguido de um revoltado "Estás à espera de quem Daniel??"
Mais adiante - no cronómetro mas não no marcador -, e aquando de um passe cruzado à porta da grande área adversária, acrescenta: "Ai tão boa!" e "Não aproveitem não… Agora é que a barraca abana!". (Vá-se lá entender a lógica do discurso de alguns...)
Foram umas atrás das outras, as frases vociferadas no lugar atrás do meu. O senhor parecia contratado para entreter os ouvidos mais atentos: "Assim é que queres lugar na equipa?" disse perturbado, sucedido de "Minha Madre!" num tom desconcertado. Na mesma linha de sentimento, soltou "É só sorna!" e já mais exaltado "P’ra onde? P’ra quem? Oh pá!"
Mas não foi só refilar. Alertava os jogadores em campo: "Cuidado com o outro gajo acolá!" e partilhava a preocupação que tinha a respeito dos atletas: "Está preso de movimentos o Daniel".
Novamente se ouve "ah tão boa!" e novo aviso para dentro do campo: "Olhó Zorro! Vais de cabeça, ficas com ela aberta!". Saíam também instruções: "Vai buscar Zézé!" e elucidações: "Ela vem para o primeiro poste."
E é neste momento que ocorre a desgraça…
Desolado grita: "Quem não marca sofre, o que é que vocês querem?!" Continua o desabafo: "Já podia haver três bolas a uma. Eles não marcam!". Mas volta a amargura: "Eles é que são os próprios culpados de perder!" que rapidamente esqueceu, renascendo alguma esperança com o aproximar do intervalo: "Talvez contra o vento joguem mais…"
Inicia-se o segundo tempo e com ele chega o primeiro responso: "É rugby?? Isso é rugby??" Voltam os conselhos para dentro das quatro linhas: "é bola no chão! Pé p’ra pé!... Se fosse um cruzamento, ‘tá bem…" Sempre sem olvidar a pronúncia daquela zona costeira.
Não desiste este adepto ferrenho e insiste com os futebolistas: "É procurar o outro! O outro é que tem de marcar!". Rematando com " 'inda assim é p’ró chuveirinho..."
Sobre a equipa visitante, fala para o colega da esquerda: "Não têm grande equipa, mas estão a ganhar, essa é que é essa!". E conclui "Só ganha quem marca golos."
Alguma animação em campo, que logo se reflecte neste fervoroso Figueirense: "Parece o bailinho da Madeira!". Segundos depois, incansável informa "e vai outra bomba!"
Um adepto tão completo é o que deseja qualquer clube.
1- Tira conclusões lúcidas: "é que o Naval ainda não marcou golo nenhum. O único golo que eles têm é na própria baliza." Apesar de dirigir ao relvado frases que podem magoar "Eu nem os queria a assar batatas por aqui!".
2- Tem sentido de humor e cultura zoófila: " 'Tá aí uma manada de burros! Cuidado com o chapéu!"
3- Incentiva a prática de outras modalidades: "Estás à espera de quê? Porque é que não vais pescar? Disseram que os gajos eram jogadores de futebol, se calhar se se dedicassem à pesca era melhor."
4- Revê matéria de direito penal internacional "Isto se fosse noutro país qualquer não era permitido!"
(Mas quando dolorido, qual parceiro traído numa relação, exige de volta o que entregou: "E os meus 10 euros, vou reclamá-los!")
Importa salientar a mais graciosa das intervenções, a qual se revelou com uma substituição na equipa da casa: "Sai Bolívia entra Camora" repetiu depois de soar no estádio inteiro. E é então que relembra "Já camora uma derrota!"
Em tom de conclusão, profere "É a miséria das misérias, de parte a parte" e explica a quem está à sua volta "isto é futebol de fantoches."
Resignado, terminou o extenso discurso pedindo esmola ao juiz da partida: "Oh shôr árbitro acabe com o sofrimento!"
Foi assim que vim mais rica da Figueira da Foz.
sábado, 23 de janeiro de 2010
A filha do treinador
Imagine-se à mesa com o jogador de futebol que sempre admirou. Este seu ídolo é agora o mister da equipa de futebol principal num dos mais antigos clubes de futebol da nação. Está no jantar de gala do clube. Não interessa agora como e porque é que lá foi parar. Interessa sim captar o maior n.º de imagens possível já a pensar no momento em que vai relatar tão grandioso acontecimento aos seus amigos.
Prepara o bloco e a caneta mentais e eis que as coisas começam a correr da maneira que… menos esperava. Mas não menos merecida de ser narrada.
Importa voltar atrás e descrever o momento da chegada. A chegada à mesa onde supostamente se iria sentar. Vai como acompanhante do seu namorado e, no entanto, na mesa para onde se dirigem só existe uma cadeira vazia. Onze homens com o fato oficial do clube, confeccionado por uma conceituada empresa do sector têxtil da região. Todos sorriem com o ar mais simpático deste mundo mas ninguém se levanta.
O namorado pergunta: “Então onde é que nos sentamos?”. Da mesa respondem: “A sua senhora pode ficar ali na outra mesa com a esposa do mister”.
Quando impusemos sentarmo-nos juntos lá se levantaram os fardados mais amovíveis disponibilizando os seus lugares e atrás de nós logo a esposa do mister soltou o grito do Ipiranga, acompanhada das duas filhas, exigindo também o lugar na mesma mesa do cônjuge.
Saltando a parte em que - depois da sopa e antes de ser servido o prato principal – o salão foi invadido pelo cheiro a podre que viemos a perceber ser da carne de porco estragada, o que mais prendeu a atenção dos meus sentidos foi a filha mais nova do mister.
Esta petiza de tenra idade, fisionomia indígena e tez em conformidade, tinha aquilo a que se chama “o bicho-carpinteiro”. E por contraditório que pareça, estava também com uma grande traça.
Iniciou a refeição com dois pratos de sopa que, diga-se, estava excelente. Pão e manteiga q.b. também não faltaram na barriga, nas mãos e no cabelo da criança. Dava gosto ver a garota comer, em quantidade maior ou igual à dos adultos do sexo masculino e de grande porte que ali estavam.
Mas o apogeu da performance desta menina ligada à corrente foi aquando do largar dos bolos de amêndoa na mesa. Vinham debruados a chantilly e, desta feita, a brincar às mulheres-a-dias, decidiu limpar os pratos de sobremesa dos convidados, chegando mesmo a enxaguar o chantilly que vinha a delimitar os rectangulares doces de amêndoa.
Assistindo a cada gesto da “piquena” como se de um número de circo se tratasse, posso afirmar que o grande final não desiludiu. Apoderando-se da flûte de espumante do indiferente mister, preparou um cocktail de fazer inveja a qualquer McGyver que se preze. Azeitonas, pão, pacotinhos de manteiga e - mais uma vez o especial ingrediente – chantilly temperaram a bebida do brinde que, imprevisivelmente, ficou sem qualquer rasto de bolhinhas.
Termino este meu testemunho deixando a todos os auxiliares do ensino, educadores de infância e professores que eventualmente se cruzem com esta mini Pocahontas o meu incentivo e o meu voto de ânimo e alento!
Prepara o bloco e a caneta mentais e eis que as coisas começam a correr da maneira que… menos esperava. Mas não menos merecida de ser narrada.
Importa voltar atrás e descrever o momento da chegada. A chegada à mesa onde supostamente se iria sentar. Vai como acompanhante do seu namorado e, no entanto, na mesa para onde se dirigem só existe uma cadeira vazia. Onze homens com o fato oficial do clube, confeccionado por uma conceituada empresa do sector têxtil da região. Todos sorriem com o ar mais simpático deste mundo mas ninguém se levanta.
O namorado pergunta: “Então onde é que nos sentamos?”. Da mesa respondem: “A sua senhora pode ficar ali na outra mesa com a esposa do mister”.
Quando impusemos sentarmo-nos juntos lá se levantaram os fardados mais amovíveis disponibilizando os seus lugares e atrás de nós logo a esposa do mister soltou o grito do Ipiranga, acompanhada das duas filhas, exigindo também o lugar na mesma mesa do cônjuge.
Saltando a parte em que - depois da sopa e antes de ser servido o prato principal – o salão foi invadido pelo cheiro a podre que viemos a perceber ser da carne de porco estragada, o que mais prendeu a atenção dos meus sentidos foi a filha mais nova do mister.
Esta petiza de tenra idade, fisionomia indígena e tez em conformidade, tinha aquilo a que se chama “o bicho-carpinteiro”. E por contraditório que pareça, estava também com uma grande traça.
Iniciou a refeição com dois pratos de sopa que, diga-se, estava excelente. Pão e manteiga q.b. também não faltaram na barriga, nas mãos e no cabelo da criança. Dava gosto ver a garota comer, em quantidade maior ou igual à dos adultos do sexo masculino e de grande porte que ali estavam.
Mas o apogeu da performance desta menina ligada à corrente foi aquando do largar dos bolos de amêndoa na mesa. Vinham debruados a chantilly e, desta feita, a brincar às mulheres-a-dias, decidiu limpar os pratos de sobremesa dos convidados, chegando mesmo a enxaguar o chantilly que vinha a delimitar os rectangulares doces de amêndoa.
Assistindo a cada gesto da “piquena” como se de um número de circo se tratasse, posso afirmar que o grande final não desiludiu. Apoderando-se da flûte de espumante do indiferente mister, preparou um cocktail de fazer inveja a qualquer McGyver que se preze. Azeitonas, pão, pacotinhos de manteiga e - mais uma vez o especial ingrediente – chantilly temperaram a bebida do brinde que, imprevisivelmente, ficou sem qualquer rasto de bolhinhas.
Termino este meu testemunho deixando a todos os auxiliares do ensino, educadores de infância e professores que eventualmente se cruzem com esta mini Pocahontas o meu incentivo e o meu voto de ânimo e alento!
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