quinta-feira, 23 de junho de 2016


Facebush




A moda das barbas salvou muita gente.
É, de facto, uma pinta quase automática a de um indivíduo com barba. Se minimamente cuidada, claro. Pelo menos está garantida uma pinta básica. O que muitas vezes não se verifica na ausência do arbusto facial.
A vegetacio facis safa muito gajo e não o escrevo da boca para fora. Já tive a oportunidade do comparativo, em mais de uma ocasião. Barba e não barba, entenda-se.
Relembro o mais recente... Um jovem conhecido noutro continente. Já de si um factor favorável ao entusiasmo. Era agradável à vista. À primeira e à segunda. Contudo, quando vislumbrado em registos fotográficos mais datados, a única coisa favorecida era a desilusão.
Uma aparência absolutamente indiferenciada, daquelas que passa mesmo despercebida. Mesmo quando avistada além-fronteiras.
Com o pêlo de arame, no entanto, afigurava-se um homem atraente e sexy, daqueles que merecem investigação mais aprofundada ou, pelo menos, a abertura da fase de inquérito.
Parece-me por isso evidente que a exibição de uma barba transforma, como que por magia, um indivíduo deslavado e fungível num ser sensual e apetecível. Eventualmente porque àquele look "lobo do mar", subjaz a ideia de uma atitude de teste americano "a) vou deixar crescer a barba; b) vou usar uma camisa hipster abotoada até ao gasganete; ou c) vou calçar os redley que estão no armário desde 1991".
Justiça seja feita: a atitude deixa passar um certo nível de auto-confiança. Mesmo que não corresponda efetivamente à verdade.
No fundo, é como quem usa um acessório, só que não é. E mesmo os menos assertivos têm ao dispôr a desculpa do desleixo ou da preguiça. E sempre apresentam um certo estilo.
Mas façam atenção os que ainda não se atiraram a este visual: aconselha-se ponderação prévia ao avanço para o facebush. Quem não pode desmascarar-se com o mesmo savoir faire e determinação, que mantenha a carinha laroca.

Mãozinhas low cost


Tive a minha primeira experiência low cost ao nível do tratamento capilar.
Surgiu um imprevisto e falhei a hora marcada no meu cabeleireiro habitual, tendo sido obrigada a recorrer a um desses salões onde não se aceita marcação e somos despachadas em tempo record, de cabelo lavado e arranjado.
Pensei: “vai tudo correr bem”. E, de facto, ao nível da aparência, correu. À saída, imagem irrepreensível. Oleosidade resolvida, como diz o Ronaldo, e cabeleira esticadinha.
O caminho até lá foi, no entanto, sinuoso. Desde logo, pelo aspecto do estabelecimento. Já tinha tido melhores dias, espera-se.
Ao entrar encontro a recepção vazia. Sou abordada de longe, por entre zumbidos de secadores, cataratas de água e conversa de café entre colegas.
Mandaram-me avançar para uma cuba, aqueles lavatórios onde a moleirinha vai a banhos. E aí tive direito a tudo. Dedos, molhados, dentro dos ouvidos (pode soar delicioso – gostos não de discutem – mas não me agradou de sobremaneira), champô até aos tímpanos e variações de temperatura que me fizeram acreditar estar a ser cobaia de um inovador exercício de estimulação do coro cabeludo através de choques térmicos.
Fui depois encaminhada para uma “ilha” com espelho, cadeira e apoio de pés. Mais uma vez, bar aberto. Altas temperaturas que desta vez simularam a sensação de perú de natal a entrar no forno.
Ainda houve o bónus de uma enérgica sapatada que lançou o meu telemóvel em queda livre, até escassos milímetros do chão, altura em que os meus rápidos reflexos o salvaram.
Tudo isto com banda sonora. Para quem quisesse e para quem não quisesse ouvir. Relatava-se o feriado do dia anterior. Segundo constava, a colega da ilha ao lado teve de trabalhar. O dia foi fraco e depois da jornada laboral, houve jantar num restaurante das imediações com o marido, a filha o piriquito e a afilhada. E também uma corrida frenética para apanhar o comboio.
Enquanto isto, poderosos e dolorosos sopros de ar a ferver - a temperaturas certamente proibidas por lei - entravam pelo meu cérebro dentro. Até que, finalmente, alguns minutos depois, tudo acabou.
Da tortura à saída foram cinco euros e cinquenta. Há quem pague mais para sofrer...

sábado, 23 de janeiro de 2010

Uma figura da Figueira

Figueira da Foz, Estádio da Associação Naval 1.º de Maio, Bancada Central.
Foi neste local que passei uma tarde... bem passada. Não só pela partida de futebol – modalidade que tanto me agrada – ou pela temperatura amena e a maresia no ar, mas sim - e aliás, em especial - graças aos comentários, devaneios, desabafos, insultos, palavrões e interjeições que se ouviram na zona dos sócios mais antigos.
Quem diz sócios diz essencialmente um. Um barrigudo, talvez pescador reformado, talvez comerciante no activo, mas malandro pela certa.
Logo aos primeiros minutos fez as delícias do serão: "P’ra quem?", com um sotaque figueirense, logo seguido de um revoltado "Estás à espera de quem Daniel??"
Mais adiante - no cronómetro mas não no marcador -, e aquando de um passe cruzado à porta da grande área adversária, acrescenta: "Ai tão boa!" e "Não aproveitem não… Agora é que a barraca abana!". (Vá-se lá entender a lógica do discurso de alguns...)
Foram umas atrás das outras, as frases vociferadas no lugar atrás do meu. O senhor parecia contratado para entreter os ouvidos mais atentos: "Assim é que queres lugar na equipa?" disse perturbado, sucedido de "Minha Madre!" num tom desconcertado. Na mesma linha de sentimento, soltou "É só sorna!" e já mais exaltado "P’ra onde? P’ra quem? Oh pá!"
Mas não foi só refilar. Alertava os jogadores em campo: "Cuidado com o outro gajo acolá!" e partilhava a preocupação que tinha a respeito dos atletas: "Está preso de movimentos o Daniel".
Novamente se ouve "ah tão boa!" e novo aviso para dentro do campo: "Olhó Zorro! Vais de cabeça, ficas com ela aberta!". Saíam também instruções: "Vai buscar Zézé!" e elucidações: "Ela vem para o primeiro poste."
E é neste momento que ocorre a desgraça…
Desolado grita: "Quem não marca sofre, o que é que vocês querem?!" Continua o desabafo: "Já podia haver três bolas a uma. Eles não marcam!". Mas volta a amargura: "Eles é que são os próprios culpados de perder!" que rapidamente esqueceu, renascendo alguma esperança com o aproximar do intervalo: "Talvez contra o vento joguem mais…"
Inicia-se o segundo tempo e com ele chega o primeiro responso: "É rugby?? Isso é rugby??" Voltam os conselhos para dentro das quatro linhas: "é bola no chão! Pé p’ra pé!... Se fosse um cruzamento, ‘tá bem…" Sempre sem olvidar a pronúncia daquela zona costeira.
Não desiste este adepto ferrenho e insiste com os futebolistas: "É procurar o outro! O outro é que tem de marcar!". Rematando com " 'inda assim é p’ró chuveirinho..."
Sobre a equipa visitante, fala para o colega da esquerda: "Não têm grande equipa, mas estão a ganhar, essa é que é essa!". E conclui "Só ganha quem marca golos."
Alguma animação em campo, que logo se reflecte neste fervoroso Figueirense: "Parece o bailinho da Madeira!". Segundos depois, incansável informa "e vai outra bomba!"
Um adepto tão completo é o que deseja qualquer clube.
1- Tira conclusões lúcidas: "é que o Naval ainda não marcou golo nenhum. O único golo que eles têm é na própria baliza." Apesar de dirigir ao relvado frases que podem magoar "Eu nem os queria a assar batatas por aqui!".
2- Tem sentido de humor e cultura zoófila: " 'Tá aí uma manada de burros! Cuidado com o chapéu!"

3- Incentiva a prática de outras modalidades: "Estás à espera de quê? Porque é que não vais pescar? Disseram que os gajos eram jogadores de futebol, se calhar se se dedicassem à pesca era melhor."
4- Revê matéria de direito penal internacional "Isto se fosse noutro país qualquer não era permitido!"
(Mas quando dolorido, qual parceiro traído numa relação, exige de volta o que entregou: "E os meus 10 euros, vou reclamá-los!")
Importa salientar a mais graciosa das intervenções, a qual se revelou com uma substituição na equipa da casa: "Sai Bolívia entra Camora" repetiu depois de soar no estádio inteiro. E é então que relembra "Já camora uma derrota!"
Em tom de conclusão, profere "É a miséria das misérias, de parte a parte" e explica a quem está à sua volta "isto é futebol de fantoches."
Resignado, terminou o extenso discurso pedindo esmola ao juiz da partida: "Oh shôr árbitro acabe com o sofrimento!"
Foi assim que vim mais rica da Figueira da Foz.

A filha do treinador

Imagine-se à mesa com o jogador de futebol que sempre admirou. Este seu ídolo é agora o mister da equipa de futebol principal num dos mais antigos clubes de futebol da nação. Está no jantar de gala do clube. Não interessa agora como e porque é que lá foi parar. Interessa sim captar o maior n.º de imagens possível já a pensar no momento em que vai relatar tão grandioso acontecimento aos seus amigos.
Prepara o bloco e a caneta mentais e eis que as coisas começam a correr da maneira que… menos esperava. Mas não menos merecida de ser narrada.
Importa voltar atrás e descrever o momento da chegada. A chegada à mesa onde supostamente se iria sentar. Vai como acompanhante do seu namorado e, no entanto, na mesa para onde se dirigem só existe uma cadeira vazia. Onze homens com o fato oficial do clube, confeccionado por uma conceituada empresa do sector têxtil da região. Todos sorriem com o ar mais simpático deste mundo mas ninguém se levanta.
O namorado pergunta: “Então onde é que nos sentamos?”. Da mesa respondem: “A sua senhora pode ficar ali na outra mesa com a esposa do mister”.
Quando impusemos sentarmo-nos juntos lá se levantaram os fardados mais amovíveis disponibilizando os seus lugares e atrás de nós logo a esposa do mister soltou o grito do Ipiranga, acompanhada das duas filhas, exigindo também o lugar na mesma mesa do cônjuge.
Saltando a parte em que - depois da sopa e antes de ser servido o prato principal – o salão foi invadido pelo cheiro a podre que viemos a perceber ser da carne de porco estragada, o que mais prendeu a atenção dos meus sentidos foi a filha mais nova do mister.
Esta petiza de tenra idade, fisionomia indígena e tez em conformidade, tinha aquilo a que se chama “o bicho-carpinteiro”. E por contraditório que pareça, estava também com uma grande traça.
Iniciou a refeição com dois pratos de sopa que, diga-se, estava excelente. Pão e manteiga q.b. também não faltaram na barriga, nas mãos e no cabelo da criança. Dava gosto ver a garota comer, em quantidade maior ou igual à dos adultos do sexo masculino e de grande porte que ali estavam.
Mas o apogeu da performance desta menina ligada à corrente foi aquando do largar dos bolos de amêndoa na mesa. Vinham debruados a chantilly e, desta feita, a brincar às mulheres-a-dias, decidiu limpar os pratos de sobremesa dos convidados, chegando mesmo a enxaguar o chantilly que vinha a delimitar os rectangulares doces de amêndoa.
Assistindo a cada gesto da “piquena” como se de um número de circo se tratasse, posso afirmar que o grande final não desiludiu. Apoderando-se da flûte de espumante do indiferente mister, preparou um cocktail de fazer inveja a qualquer McGyver que se preze. Azeitonas, pão, pacotinhos de manteiga e - mais uma vez o especial ingrediente – chantilly temperaram a bebida do brinde que, imprevisivelmente, ficou sem qualquer rasto de bolhinhas.
Termino este meu testemunho deixando a todos os auxiliares do ensino, educadores de infância e professores que eventualmente se cruzem com esta mini Pocahontas o meu incentivo e o meu voto de ânimo e alento!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Um limão, meio limão


Quando chove a bom chover, os Ingleses usam a expressão “está a chover cães e gatos”.
Por terras lusas, mais propriamente na zona do Castelo, já se pode recorrer à expressão - também bastante original - “está a chover limões” quando… efectivamente… chovem limões. Facto que sucedeu, pelo menos, uma vez. E eu sou testemunha. Não assisti à chuvada, ou melhor, à limonada, mas assisti às cítricas – e não pouco azedas - consequências.
Afinal o que sucedeu?
Caíram limões do céu. É verídico. Qual “Magnólia” de Paul Thomas Anderson.
Mas desenganem-se as mais gulosas porque de Tom Cruise não se viu rasto no centro histórico da capital…
Domingo à noite. Estava no meu quarto e preparava-me para dormir. Soltam-se palavrões - dos grossos! - do lado de fora da janela. Primeira interrogação: mas porque raio vem a malta d’Alfama à bica ao castelo?
Continuam as obscenidades mas eu sem curiosidade de maior que me movesse até à janela. Tocam à campainha. Aí sim, vou à janela. A dona e senhora do palavrão dirige-se a mim: “Tem alguma coisa a ver com aquele pátio?”
Eu, à cautela, respondi que não mas a Bocage renascida tinha alguma razão. O pátio, alegadamente o local do crime, era familiar.
Depois de uma breve descrição dos factos por parte da vítima, ligo imediatamente para a minha prima mais nova que, como é seu apanágio, tinha feito das suas.
Inquirida quanto ao sucedido disse-me ”Foram só aparas de limão. Íamos fazer um carioca e como não usámos todas as raspas, atirámo-las à rua”.
É incrível como na adolescência pensamos que enganamos qualquer um com a história mais esfarrapada...
Claro está que ela e o seu cúmplice – de cabelinho à pajem e expressão de menino exemplar - não me souberam explicar como é que meras tiras de limão se tinham transformado, durante o vôo picado do 1.º andar até à rua, em meio limão que por sua vez se esfarelou em sumo na escassa cabeleira da madame que ia a passar.
Moral da história: primas criativas e saídas da casca (de limão ou de outro fruto qualquer) todos temos, por isso, em zona de terraços e limoeiros, proteja-se!
Um capacete de engenheiro, um toque de equitação ou até uma toca de natação - daquelas com flores em relevo que as "séniores" usam na hidroginástica - são artigos que podemos encontrar facilmente lá em casa (esta frase lembra-me aquele programa de ciência para míudos) e que podem evitar um travo a amargo, em cabelos ao vento, numa noite de Verão.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Malta, é o número 6 do calendário!

Junho, mês do calor (nem que seja antigamente); dos manjericos (oh menino, não cheire senão murcha!); das sardinhas no papo seco (para mim era uma fêvera faxavor, que nunca atinei com as espinhas!); dos cantores da garagem da vizinha, e mais recentemente da camisa negra, nos palcos de Lisboa antiga (e o que é a bomba da Total desactivada, junto ao Campo das Cebolas, senão uma lembrança da velha Lisboa?); dos naturalmente barrigudos naturais da Mouraria, Castelo e Alfama, de pé descalço a dançar no alcatrão da vida; dos tunnings que largam as máquinas de velocidade pelas de feira popular do “agarra o peluche” estrategicamente colocadas entre a panela de óleo da fartura e a roullote em néon rosa dos churros recheados a molho verde varejeira.
Junho é o mês do solta a franga do churrasco e do “você é concorrente, você pode descer” na versão “você é português, você pode curtir!”
Eu cá adoro o Santo António e os grelhadores improvisados a partir de bidons de gasolina.
Orgulho-me genuinamente do espírito desenrasca do portuga. Do “esquece a miséria e sai pr’a rua”, do “posso não ter dentes mas tenho pernas p’ra dançar”, do montar o estaminé com as tábuas da obra em frente, fazer uma sangria, apregoar e vender.
Não sei se o povo é quem mais ordena, mas que é quem mais goza, lá isso é. O mês de Junho é a prova disso.
Não perco pitada desta lufada de ar poluído. Poluído das colunas no limite dos décibeis e da fumarada dos churrascos e sardinhadas. Fosse toda a poluição como esta.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Quem não gosta de perfume?

Deixem-me que vos fale de um amigo. Um amigo que surgiu assim do nada. Quando eu menos esperava que aparecesse. A guest list daquela temporada - garanto! - já estava fechada. Eram quase quinhentos e não cabia nem mais um. Imaginem as carruagens da linha amarela, na estação de metro do campo grande, às 8h30 da manhã, quando já vêm lotadas do senhor roubado.
Os meus amigos estavam conservados que nem sardinha em lata.
Mas constou que era pessoa de valor e na penúltima carruagem, terceira porta a contar do fim, alguém empurrou uma velhinha contra um funcionário público e ele entrou. Já trazia o passe social, embora tudo tivesse feito para ocultar tal facto.
Numa bela manhã de Inverno, com uma alcatifa cinzenta em pano de fundo e dossiers azul deformado em estilo de decoração de boas-vindas - mais poeira, menos gel – chegou à sociedade.
“Mais um no gabinete? Onde? Debaixo da mesa? O que vale é que é magrinho! Vai caber e tudo...”
Lá se encaixou o “trinca-espinhas”. Entre o meu lugar e a janela. Bye bye Avenida da Liberdade.
Introduções à parte, o Piranha, como muitos lhe chamam, era bom tipo. Cabelo espetado e charme muito afinado – eu diria até refinado - foi conquistando colegas, administrativas e - não aviso cabeças - sócios sem dó nem piedade.
Inevitavelmente lhe atribuí o cognome “Lança Perfume”, resultado dos simpáticos e nada, nada, mesmo nada, bajuladores comentários com que nos brindava. Ora junto à impressora, ora nas incursões à copa para se abastecer de um yoplait natural aquando das insistidas dietas.
“A Anabela hoje tem um perfume novo ou é impressão minha?” ou “As riscas da tua camisa são aquilo a que se chama de azul-marinho, não é Madalena? É a cor da moda!” e ainda “Caras colegas de gabinete, não vos quero incomodar mas sabem que prezo muito a vossa opinião e bom gosto... gostam dos meus sapatos? Mas ficam-me bem, a sério?"
Assim começou uma bela amizade. Graxa, risota e, tantas vezes, um ombro - Labrador - amigo.
What else?