sábado, 23 de janeiro de 2010

Uma figura da Figueira

Figueira da Foz, Estádio da Associação Naval 1.º de Maio, Bancada Central.
Foi neste local que passei uma tarde... bem passada. Não só pela partida de futebol – modalidade que tanto me agrada – ou pela temperatura amena e a maresia no ar, mas sim - e aliás, em especial - graças aos comentários, devaneios, desabafos, insultos, palavrões e interjeições que se ouviram na zona dos sócios mais antigos.
Quem diz sócios diz essencialmente um. Um barrigudo, talvez pescador reformado, talvez comerciante no activo, mas malandro pela certa.
Logo aos primeiros minutos fez as delícias do serão: "P’ra quem?", com um sotaque figueirense, logo seguido de um revoltado "Estás à espera de quem Daniel??"
Mais adiante - no cronómetro mas não no marcador -, e aquando de um passe cruzado à porta da grande área adversária, acrescenta: "Ai tão boa!" e "Não aproveitem não… Agora é que a barraca abana!". (Vá-se lá entender a lógica do discurso de alguns...)
Foram umas atrás das outras, as frases vociferadas no lugar atrás do meu. O senhor parecia contratado para entreter os ouvidos mais atentos: "Assim é que queres lugar na equipa?" disse perturbado, sucedido de "Minha Madre!" num tom desconcertado. Na mesma linha de sentimento, soltou "É só sorna!" e já mais exaltado "P’ra onde? P’ra quem? Oh pá!"
Mas não foi só refilar. Alertava os jogadores em campo: "Cuidado com o outro gajo acolá!" e partilhava a preocupação que tinha a respeito dos atletas: "Está preso de movimentos o Daniel".
Novamente se ouve "ah tão boa!" e novo aviso para dentro do campo: "Olhó Zorro! Vais de cabeça, ficas com ela aberta!". Saíam também instruções: "Vai buscar Zézé!" e elucidações: "Ela vem para o primeiro poste."
E é neste momento que ocorre a desgraça…
Desolado grita: "Quem não marca sofre, o que é que vocês querem?!" Continua o desabafo: "Já podia haver três bolas a uma. Eles não marcam!". Mas volta a amargura: "Eles é que são os próprios culpados de perder!" que rapidamente esqueceu, renascendo alguma esperança com o aproximar do intervalo: "Talvez contra o vento joguem mais…"
Inicia-se o segundo tempo e com ele chega o primeiro responso: "É rugby?? Isso é rugby??" Voltam os conselhos para dentro das quatro linhas: "é bola no chão! Pé p’ra pé!... Se fosse um cruzamento, ‘tá bem…" Sempre sem olvidar a pronúncia daquela zona costeira.
Não desiste este adepto ferrenho e insiste com os futebolistas: "É procurar o outro! O outro é que tem de marcar!". Rematando com " 'inda assim é p’ró chuveirinho..."
Sobre a equipa visitante, fala para o colega da esquerda: "Não têm grande equipa, mas estão a ganhar, essa é que é essa!". E conclui "Só ganha quem marca golos."
Alguma animação em campo, que logo se reflecte neste fervoroso Figueirense: "Parece o bailinho da Madeira!". Segundos depois, incansável informa "e vai outra bomba!"
Um adepto tão completo é o que deseja qualquer clube.
1- Tira conclusões lúcidas: "é que o Naval ainda não marcou golo nenhum. O único golo que eles têm é na própria baliza." Apesar de dirigir ao relvado frases que podem magoar "Eu nem os queria a assar batatas por aqui!".
2- Tem sentido de humor e cultura zoófila: " 'Tá aí uma manada de burros! Cuidado com o chapéu!"

3- Incentiva a prática de outras modalidades: "Estás à espera de quê? Porque é que não vais pescar? Disseram que os gajos eram jogadores de futebol, se calhar se se dedicassem à pesca era melhor."
4- Revê matéria de direito penal internacional "Isto se fosse noutro país qualquer não era permitido!"
(Mas quando dolorido, qual parceiro traído numa relação, exige de volta o que entregou: "E os meus 10 euros, vou reclamá-los!")
Importa salientar a mais graciosa das intervenções, a qual se revelou com uma substituição na equipa da casa: "Sai Bolívia entra Camora" repetiu depois de soar no estádio inteiro. E é então que relembra "Já camora uma derrota!"
Em tom de conclusão, profere "É a miséria das misérias, de parte a parte" e explica a quem está à sua volta "isto é futebol de fantoches."
Resignado, terminou o extenso discurso pedindo esmola ao juiz da partida: "Oh shôr árbitro acabe com o sofrimento!"
Foi assim que vim mais rica da Figueira da Foz.

6 comentários:

  1. ahahahahah
    sacou-me uma boa gargalhada com este texto muito "bem esgalhado" (mais uma expressão figueirense!) hihihihihih
    Beijo meu* e continuação de bons textos :)

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  2. Este é o típico treinador de bancada!! Muito Bom

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  3. Nem sempre o espectáculo acontece dentro das quatro linhas :)

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  4. O espectáculo nem sempre acontece dentro das quatro linhas :). E ainda bem!

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  5. ya menos balet mais futebol a naval nao joga nenhum e depois e so artistas a mandar postas de peixe da bancada pro campo nem sei como aguentão

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  6. Oi!
    Deparei-me com este blog...e tenho a dizer que tem sido dos melhores blogs, que tenho lido nos ultimos tempos!!
    Adoro os seus textos, e este entao(sou figueirense!), deixou-me a rir durante um muito bom tempo, com muito boa disposicao!!!
    Decididamente vai ficar na minha lista de blogs favoritos!
    Beijinho!
    Teresa

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